Jogos entre Rangers e Celtic, são duelos
ideológicos que há dois séculos movimentam a cidade de Glasgow
O
maior clássico do futebol escocês e um dos maiores do mundo movimenta o país
britânico desde o dia 28 de maio de 1888, em jogo vencido pelo então recém- fundado
Celtic FC, por 5 a 2. A rivalidade política e religiosa entre The Gers (adeptos
do Rangers) e The Boys (adeptos do Celtic), porém, aumentou a cada confronto.
Apelidado
de Old Firm (a velha firma), o duelo divide o país e a cidade de Glasgow que
industrial e contemporânea abriga a maior população da Escócia. E o nome deste
clássico não poderia ser mais sugestivo, devido a parceria e rivalidade, ambos
faturam muito dinheiro com os confrontos em derbis.
Ao ponto de que em 1909, um provável acerto de resultado entre os rivais para forçar um terceiro jogo e garantir mais renda, gerou uma briga sangrenta entre os torcedores (revoltados com a situação) iniciando a história violenta deste confronto, que matou centenas de adeptos de ambos os lados em pouco mais de dois séculos de jogos.
Ao ponto de que em 1909, um provável acerto de resultado entre os rivais para forçar um terceiro jogo e garantir mais renda, gerou uma briga sangrenta entre os torcedores (revoltados com a situação) iniciando a história violenta deste confronto, que matou centenas de adeptos de ambos os lados em pouco mais de dois séculos de jogos.
O
motivo maior para esta rivalidade, porém, é a segregação político religiosa
existente entre os rivais. Rangers (protestante e seguidor do Reino Unido) x
Celtic (católico, com forte ligação com a Irlanda e a independência da
Escócia). O que segundo os próprios escoceses é fruto de uma sociedade dividida
que até hoje mantém resquícios deste sectarismo. E o futebol, como ferramenta
social também refletiu e ainda reflete isto em Old Firm.
Segundo o site da instituição
Nilby Woth criada especialmente para acabar com a divisão religiosa existente
no país, o sectarismo atual na Escócia é mais visível no futebol. Onde os laços
históricos de alguns clubes com religiões e etnias distintas levaram a criação
de grupos violentos em defesa de seus ideais. Algo que se pode notar em
clássicos como o de Glasgow (Rangers x Celtic) e da capital Edimburg entre
(Hibernian, católico e irlandês x Hearts, protestante e adepto do Reino Unido).
E em alguns jogos este clima tenso continua a levar violência às comunidades
escocesas.
Segundo
o representante da Nilby Woth, Dave Scott, a Escócia é um país em plena
evolução, mas ainda em guerra com o sectarismo, refletido nestes clássicos. “As
paisagens culturais e econômicas mudam, enquanto a Escócia em que vivemos hoje é
um pequeno país que se esforça para ser competitivo e moderno, ela ainda tem
muito trabalho a fazer para abordar alguns pontos de vista negativos e prejudiciais
à moda antiga, entre eles o sectarismo”
Em
relação ao Old Firm, pode-se dizer que esta rivalidade teve inicio no século
19, quando imigrantes irlandeses (depois de uma praga nas plantações de batatas
que sustentavam o país), foram obrigados a deixar a Irlanda e em busca de
emprego pararam no Reino Unido mais precisamente na Inglaterra e Escócia[1].
Desde sua chegada, os irlandeses eram mal vistos, por serem de fora e claro, por terem preenchidos as ruas da Escócia como indigentes. Os que conseguiam trabalhos eram quase escravizados recebendo salários bem inferiores aos trabalhadores escoceses. E para um povo considerado de terceira linha, a religião e o futebol eram o desafogo para as malezas que enfrentavam. E até por isso, em 1888, o irmão marista Walfrid Kerins fundou um projeto de caridade chamado 'The Poor Children's Dinner Table', que entre outras coisas englobava o futebol através de uma equipe chamada Celtic FC, que defenderia o orgulho das raízes irlandesas.
Com
um terreno alugado e improvisado, além de atletas emprestados do Hibernian FC
(time também de origem irlandesa) a equipe estreou nas competições nacionais em
1888, conquistando em 1892 o título da Copa da Escócia e um ano depois o seu
primeiro campeonato escocês. A origem celta irlandesa trouxe consigo todo um
histórico de luta e superação de um povo de classe baixa, que orgulham até hoje
toda a torcida dos The Boys ou Hoops, como também são apelidos os torcedores do
Celtic FC. Desde então a equipe apresenta as cores irlandesas em seu estádio e
seus torcedores mais extremistas apoiam a ideologia do antigo grupo terrorista
irlandês IRA[2].
Do
outro lado de Glasgow, na parte azul e branca, o time da elite escocesa nasceu
também no século 19 diante da necessidade de um representante no futebol para a
cidade. A equipe foi criada por quatro amigos escoceses que tiveram a
inspiração em seu nome em uma equipe de Rugby existente na época. O Rangers foi fundado em 1872 e tem toda sua
história ligada ao Anglicanismo[3].
O que, portanto, explica sua obediência ao Reino Unido, afinal esta é a igreja
oficial da rainha.
Sua
participação em competições oficiais teve inicio em 1873 quando estreou na Copa
Escócia e posteriormente faturou seu primeiro título em 1891, como campeão
escocês. A torcida do clube da elite protestante tem, assim como o rival
Celtic, uma forte ligação com um grupo terrorista. O UVF (Grupo Protestante
Radical), que defendia a soberania do Reino Unido e inclusão da Irlanda do
Norte no mesmo, sendo este rival do grupo IRA, apregoando a soberania
protestante na região através de ataques terroristas que vitimaram centenas de
civis.
Em
1900, o Rangers seguindo o sistema de segregação religiosa, adotou uma medida
de proibir a contratação de atletas não protestantes, ato que só foi
interrompido 89 anos depois e ainda assim diante de muita polêmica. A contratação
do atacante escocês católico, Maurice Jonhstone[4], gerou grande incômodo para a
torcida do Rangers (que na época teria ameaçado de morte o ex-jogador do
Celtic). Posteriormente Jonhstone se tornou um dos ídolos da história
azul e branca de Glasgow, vencendo dois campeonatos nacionais e marcando mais
de 100 gols, porém, muitos extremistas não o consideram um grande jogador da
história do clube devido a sua forte ligação com o catolicismo.
Atualmente
o Rangers aceita atletas de todas as religiões, mas carrega ainda consigo o
respeito ao Reino Unido e as crenças protestantes de seus torcedores. O clube
recentemente passou por uma grave crise financeira, faliu e foi refundado com o
nome de The Rangers, mas segue com suas cores e camisa idênticas, mantendo a
história de rivalidade no confronto. O The Rangers é o atual campeão da
terceira divisão escocesa e disputará a segundona em 2014/2015.
Números
e curiosidades do Old Firm:
Ao
todo foram 610 jogos com 210 vitórias para o Celtic e 257 para o Rangers e 143
empates. O primeiro jogo foi vencido pelo Celtic FC (5 a 2) e o último
aconteceu em abril de 2012 com nova vitória do Celtic (3 x 0).
Todo
o contexto colocado acima ajuda na compreensão deste clássico. Muito mais que
futebol, política ou religião, assuntos tão divergentes para serem tratados, o derbi Celtic x Rangers traz a tona estas três questões juntas, o que colabora
para a tensão em jogos que reúnem os dois clubes.
Entre
as páginas mais trágicas deste duelo estão o jogo de 1971, quando centenas de
torcedores ficaram feridos e mais de 66 foram mortos em confrontos entre as
duas torcidas. E o de 1931, onde jovem goleiro do Celtic, John Thomson sofreu
uma lesão fatal na cabeça ao mergulhar nos pés de um atacante do Rangers,
tornando-se uma figura emblemática do clássico.
A
maior goleada da história no derbi foi registrada em 1957, a favor do Celtic. Em
partida que o Rangers FC buscava o bicampeonato da Copa da Escócia, sendo
amplamente favorito, os Hoops provaram que clássicos nunca são decididos antes
da bola rolar e venceram por 7 a 1.
Após
vários confrontos e décadas de hooliganismo e as mediadas tomadas na década de
80 pela vizinha Inglaterra, o governo escocês adotou leis parecidas, diminuindo
a cada ano a violência em jogos do Old Firm. Nos últimos anos, a “guerra” está
mais ideológica e dentro das quatro linhas, embora a cada jogo a tensão seja
constante entre as torcidas.
[1] A Escócia surgiu como reino
em 843 com a ocupação do sul e centro da Grã Bretanha pelo Império Romano, se
tornando por volta de 1066 um regime feudalista, e posteriormente um reino
independente no século 14, sendo incorporada a Grã Bretanha em 1707 através dos
Atos da União, que formalizaram a entrada da Escócia no Reino Unido.
O país apesar de atualmente
ter a maioria de sua população protestante, tem sua origem no povo celta
(católicos), tanto que sua bandeira tem o azul devido a cor do céu e a cruz de
Santo André, padroeiro do país.
Embora respeite as normas e
leis britânicas, assim com País de Gales e Irlanda do Norte, a Escócia tem certa
autonomia para determinadas questões (que são resolvidas no seu parlamento) e
votará em 2016 sua independência e descentralização do Reino Unido. As maiores
cidades da Escócia são respectivamente, Glasgow com 581.320 pessoas, Edimburgo
454.208, Aberdeen 183.030 e Dundee 142.070.
[2]
O IRA foi um movimento paramilitar católico e reintegralista criado em 1919 que
pretendia separar a Irlanda do Norte do Reino Unido e defender a soberania
católica na região. Durante décadas o braço terrorista promoveu ataques armados
contra a população e lideranças protestantes na Irlanda do Norte, que detém 75%
de sua população protestante e o restante de outras crenças.
O grupo anunciou o fim da luta armada apenas em 2005
depois de uma negociação com a comissão Internacional do Desarmamento. Alguns
membros que não aceitaram a medida pacífica tentam ainda praticar atos
terroristas, mas sem sucesso.
[3]
Movimento cristão que nasceu na Inglaterra no século 14 e que apesar da derivar
da Igreja Católica segue suas próprias ideologias e orações. A Igreja Anglicana
busca equilibrar a tradição católica com algumas influências da reforma
protestante. A liturgia preserva a mais antiga estrutura de culto cristão, com
grande ênfase na proclamação da Palavra de Deus, cedendo grande valor à liturgia,
definindo as crenças e doutrinas no próprio manual litúrgico (o Livro de Oração
Comum).
[4] Mo Jonhstone como é
conhecido iniciou sua carreira no Partick Thistle de onde saiu para ser
vice-campeão da Copa da Inglaterra pelo Watford em 1984. Jonhstone passou posteriormente
três temporadas no Celtic onde venceu a Copa da Escócia em 1984/85 e o Escocês
de 1985/86. Saiu para Nantes da França e após três anos retornou a Escócia,
sendo o primeiro jogador católico e ex-Celtic a vestir a camisa do Rangers, onde
venceu duas ligas nacionais em sequência 89/90 e 90/91 e marcou 100 gols. O
fato de ter jogado no Celtic atrapalhou e muito a vida do atacante que em um
determinado período teve de mudar de Glasgow devido a ameaças de morte que
sofria por parte da torcida do seu ex-time Celtic e também do Rangers. Após
este período jogou no Hearts e Falkirk (equipes também da Escócia) antes de
encerrar a carreia no Kansas City dos Estados Unidos. Pela seleção nacional
jogou 38 jogos e fez 14 gols, média de 50% de aproveitamento.
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